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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Carta para o Chico Buarque

Não conheço José Danon, mas a carta é digna de reprodução.

Celso


Carta para o Chico Buarque

José Danon


Chico, você foi, é e será sempre meu herói. Pelo que você foi, pelo que você é e pelo que creio que continuará sendo. Por isso mesmo, ao ver você declarar que vai votar no Lula “por falta de opção”, tomei a liberdade de lhe apresentar o que, na opinião do seu mais devoto e incondicional admirador, pode ser uma opção.

Eu também votei no Lula contra o Collor. Tanto pelo que representava o Lula como pelo que representava o Collor. Eu também acreditava no Lula. E até aprendi várias coisas com ele, como citar ditos da mãe. Minha mãe costumava lembrar a piada do bêbado que contava como tinha se machucado tanto. Cambaleante, ele explicava: “Eu vi dois touros e duas árvores, os que eram e os que não eram. Corri e subi na árvore que não era, aí veio o touro que era e me pegou.” Acho que nós votamos no Lula que não era, aí veio o Lula que era e nos pegou.

Chico, meu mestre, acho que nós, na nossa idade, fizemos a nossa parte. Se a fizemos bem feita ou mal feita, já é uma outra história. Quando a fizemos, acreditávamos que era a correta. Mas desconfio que nossa geração não foi tão bem-sucedida, afinal. Menos em função dos valores que temos defendido e mais em razão dos resultados que temos obtido. Creio que hoje nossa principal função será a de disseminar a mensagem adequada aos jovens que vão gerenciar o mundo a partir de agora. Eles que façam mais e melhor do que fizemos, principalmente porque o que deixamos para eles não foi grande coisa. Deixamos um governo que tem o cinismo de olimpicamente perdoar os “ companheiros que erraram” quando a corrupção é descoberta.

Desculpe, senhor, acho que não entendi. Como é, mesmo? Erraram? Ora, Chico. O erro é uma falha acidental, involuntária, uma tentativa frustrada ou malsucedida de acertar. Podemos dizer que errou o Parreira na estratégia de jogo, que erramos nós ao votarmos no Lula, mas não que tenham errado os zésdirceus, os marcosvalérios, os genoinos, dudas, gushikens, waldomiros, delúbios, paloccis, okamottos, adalbertos das cuecas, lulinhas, beneditasdasilva, burattis, professoresluizinhos, silvinhos, joãopaulocunhas, berzoinis, hamiltonlacerdas, lorenzettis, bargas, expeditovelosos, vedoins, freuds e mais uma centena de exemplares dessa espécie tão abundante, desafortunadamente tão preservada do risco de extinção por seu tratador. Esses não erraram. Cometeram crimes. Não são desatentos ou equivocados. São criminosos. Não merecem carinho e consolo, merecem cadeia.

Obviamente, não perguntarei se você se lembra da ditadura militar. Mas perguntarei se você não tem uma sensação de déjà vu nos rompantes de nosso presidente, na prepotência dos companheiros, na irritação com a imprensa quando a notícia não é a favor. Não é exagero, pergunte ao Larry Rother do New York Times, que, a propósito, não havia publicado nenhuma mentira. Nem mesmo o Bush, com sua peculiar e texana soberba, tem ousado ameaçar jornalistas por publicarem o que quer que seja. Pergunte ao Michael Moore. E olhe que, no caso do Bush, fazem mais que simples e despretensiosas alusões aos seus hábitos ou preferências alcoólicas no happy hour do expediente.

Mas devo concordar plenamente com o Lula ao menos numa questão em especial: quando acusa a elite de ameaçá-lo, ele tem razão. Explica o Aurélio Buarque de Hollanda que elite, do francês elite, significa “o que há de melhor em uma sociedade, minoria prestigiada, constituída pelos indivíduos mais aptos”. Poxa! Na mosca. Ele sabe que seus inimigos são as pessoas do povo mais informadas, com capacidade de análise, com condições de avaliar a eficiência e honestidade de suas ações. E não seria a primeira vez que essa mesma elite faz esse serviço. Essa elite lutou pela independência do Brasil, pela República, pelo fim da ditadura, pelas diretas-já, pela defenestração do Collor e até mesmo para tirar o Lula das grades da ditadura em 1980, onde passou 31 dias. Mas ela é a inimiga de hoje. E eu acho que é justamente aí que nós entramos.

Nós, que neste país tivemos o privilégio de aprender a ler, de comer diariamente, de ter pais dispostos a se sacrificar para que pudéssemos ser capazes de pensar com independência, como é próprio das elites - o que, a propósito, não considero uma ofensa -, não deveríamos deixar como herança para os mais jovens presentes de grego como Lula, Chávez, Evo Morales, Fidel - herói do Lula, que fuzila os insatisfeitos que tentam desesperadamente escapar de sua “democracia”. Nossa herança deveria ser a experiência que acumulamos como justo castigo por admitirmos passivamente ser governados pelo Lula, pelo Chávez, pelo Evo e pelo Fidel, juntamente com a sabedoria de poder fazer dessa experiência um antídoto para esse globalizado veneno. Nossa melhor herança será o sinal que deixaremos para quem vem depois, um claro sinal de que permanentemente apoiaremos a ética e a honestidade e repudiaremos o contrário disto. Da mesma forma que elegemos o bom, destronamos o ruim, mesmo que o bom e o ruim sejam representados pela mesma pessoa em tempos distintos.

Assim como o maior mal que a inflação causa é o da supressão da referência dos parâmetros do valor material das coisas, o maior mal que a impunidade causa é o da perda de referência dos parâmetros de justiça social. Aceitar passivamente a livre ação do desonesto é ser cúmplice do bandido, condenando a vítima a pagar pelo malfeito.Temos opção. A opção é destronar o ruim. Se o oposto será bom, veremos depois. Se o oposto tampouco servir, também o destronaremos. A nossa tolerância zero contra a sacanagem evitará que as passagens importantes de nossa História, nesse sanatório geral, terminem por desbotar-se na memória de nossas novas gerações.

Aí, sim, Chico, acho que cada paralelepípedo da velha cidade, no dia 1º de outubro, vai se arrepiar.

Seu admirador número 1,
Zé Danon

José Danon é economista e
consultor de empresas

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A mídia e a transformação

O poder transformador da mídia sobre as pessoas é realmente assustador.

Ela pode distorcer a lógica, inverter pensamentos, trazendo à tona preconceitos que flutuam no subliminar das mensagens que são proferidas.

Não, apesar do tempo que estamos vivendo, não estou falando das eleições ou da esgrima marketineana praticada pelos comandos das campanhas presidenciais, muitas vezes sem a fleuma original desse nobre esporte.

Falo do poder exercido sobre a grande massa da população brasileira, que exposta a uma imensa gama de informações através dos meios de comunicação e não guardando a distância necessária para uma análise isenta, acaba por adquirir novos valores e atitudes que na maioria das vezes são opostos a sua crença e educação.

Essa semana, almoçando em um desses restaurantes fast food, encontro um grupo de quatro rapazes na mesa ao lado.
Três deles eram mais jovens, vestidos de jeans e camisetas. O outro, que aparentava ser o chefe deles, de terno e gravata. Discussão acalorada, um deles fazia a defesa de seus pensamentos, em uma possível tentativa de impressionar o chefe, com os seus conhecimentos e avaliações dos temas do noticiário.

Curioso que sou, bisbilhotices à parte, coloco atenção na conversa.

".....é, mas essa tal da Tânia Bulhões tem dinheiro, consegue os melhores advogados. Coloca a culpa nos funcionários, faz um acordo e sai fora da cadeia...."

" É, com dinheiro se consegue tudo nesse país!"

" E essa tal de Mercia Nakashima? Quem era essa mulher?"

"Apenas mais uma que morreu apanhando do marido. Nada de excepcional!"

"É isso mesmo, quem ela é para ter todo esse espaço na mídia? Nem mesmo como advogada ela era conhecida!"

Afinal, qual é a queixa?

Que famosos e endinheirados naturalmente tenham espaço na mídia e os pobres e desconhecidos permaneçam no anonimato?

Que a notoriedade da vitima prevaleça sobre a importância do crime?

A mesma pessoa que lamenta que o dinheiro e a posição social sirvam para livrar o criminoso do castigo severo é aquela que condena a exposição midiática de crimes de pessoas menos famosas.

Uma pessoa como ela, classe média, trabalhadora, que tinha a sua família e seus sonhos.

Sem querer entrar nos méritos de cada questão, a mídia que deu espaço para a Tânia fez o mesmo com a Mercia.

Uma, pela posição social que ocupa pode gozar de privilégios e concessões. A outra, ora a outra, quem é ela mesmo? Mais uma que morreu apanhando do marido?

Passamos a ver as barbaridades e crimes cometidos, sejam eles de qualquer natureza, como se fossem ficção, entretenimento, um filme.

Em algum momento do processo de comunicação, a repetição dos fatos e a constante impunidade, fez com que a informação nos conduzisse a uma completa letargia.

Adquirimos um novo senso de valores. É a fama pela fama.